PREFÁCIO
Estudiosos da formação do Estado brasileiro afirmam que o Brasil independente tem outro ponto de partida, além do 7 de setembro, a merecer pelo menos o mesmo destaque: a chegada ao Rio de Janeiro da família real portuguesa, modificando totalmente a vida da então pouco mais que rude colonia.
Com efeito, a transferência da Corte motivou, além da inevitável repercussão política, a adoção de algumas providências necessárias para viabilizar a gestão do Reino, bem como oferecer aos cerca de 15 mil imigrantes qualificados condições de sobrevivência nos trópicos, algo que amenizasse o desconforto material e moral e tornasse suportável a nostalgia da Europa, de onde foram escorraçados pelo avanço de Napoleão.
Algumas medidas estavam fadadas a grande impacto. Inaugurou-se no Brasil o ensino superior (com grande atraso, diga-se de passagem, em relação às já florescentes universidades da América espanhola), fundaram-se museus, concedeu-se por variadas maneiras estímulo às atividades comerciais e manufatureiras; houve até o que se poderia considerar uma antevisão das preocupações ecológicas, representada pela criação do Jardim Botânico.
Dentre as iniciativas que se poderiam considerar estruturadoras da economia da futura nação independente, duas devem merecer destaque especial: a abertura dos portos brasileiros vale dizer, do comércio, que só ocorreria sete anos depois da chegada da Corte, e a fundação do Banco do Brasil, esta praticamente imediata.
Curioso é que o alvará de 12 de outubro de 1808, no grandiloqüente discurso tão a gosto das culturas ibero americanas de todas as épocas, tenha conseguido ser profético ao justificar a necessidade de criação do Banco, destinado a promover “a indústria nacional”, por “em ação os computos estagnados”, estimular “a combinação dos capitais isolados”, como aprendemos ao ler o primeiro capítulo deste livro tão rico em informações surpreendentes. Ao tentar, talvez canhestramente, ocultar com expressões de efeito pomposo as verdadeiras intenções da Coroa as de atender às necessidades de recursos com que manter a Corte nos mesmos niveis aos quais se habituara em Lisboa traçavam-se, premonito- riamente, os rumos futuros do Banco do Brasil.
Não é outro o destino manifesto de nossa primeira instituição de crédito. Tanto que ele sempre cresceu e deu suporte ao progresso nacional nos períodos de sua história em que os governantes foram suficientemente argutos e honestos para colocá-lo efetivamente a serviço do desenvolvimento do país; o que, afortunadamente, aconteceu em quase toda a sua história. De modo inverso, em todos os momentos em que foi levado a servir a causas menos nobres, estremeceu e chegou a naufragar, como nos tempos que imediatamente sucederam a sua fundação, ou enfrentou periodos tormentosos, que se refletiram nas finanças públicas, nas atividades produtivas, na vida nacional.
Esse é um aspecto que o leitor atento vai detectando nas páginas repletas de interesse desta obra. Percebe-se claramente que o Banco, ao enfrentar sucessivas crises não por acaso, quase sempre coincidentes com os mais amplos problemas da economía, da política, da sociedade brasileira foi-se firmando na proporção em que mais se dedicou a promo- ver o desenvolvimento, a capacidade empreendedora (a “indüstria” de que falava o alvară de D. João) do povo, o desbravamento de áreas pioneiras, a conquista dos mercados externos, o descortino de novas fronteiras da ciência e da tecnologia
É verdade que jamais cessaram de surgir obstáculos em seu caminho. Ainda recentemente viu-se tolhido em seu ativico impulso de crescimento por interpretações equivocadas do que seriam verdadeiramente os autênticos interesses nacionais.
A retomada de seu crescimento, porém, veio logo em seguida, confirmando as tradições mais caras ao Banco. Que hoje se apresta a cumprir novas missões, liberado parcialmen te de pesadas responsabilidades típicas de entidade governamental, podendo, assim, usar todo o seu enorme potencial e toda a sua agilidade de empresa exemplar para expandir-se e prestar serviços.
Resistindo à tentação de tomar demasiado tempo do leitor, e deixando, afinal, que ele se dedique à leitura do livro, quero ainda fazer uma última observação relativa à importância de conhecermos, nós que vivemos pensando no Banco do Brasil do futuro, um pouco da história de nossa Casa. Só assim teremos conhecimentos suficientes para evitar as armadi- Ihas insidiosas que se colocam no caminho e orientar nossos passos no rumo certo, ou seja, aquele que conduz à produção de riquezas a um número cada vez maior de brasileiros.
CAMILLO CALAZANS DE MAGALHÃES